terça-feira, 11 de fevereiro de 2014
André Breton e Paul Éluard - O juízo original
Forma os teus olhos fechando-os.
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Dá aos sonhos que esqueceste o valor daquilo que não conheces.
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Fala consoante a loucura que te seduziu.
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Deixa a madrugada aumentar a ferrugem dos teus sonhos.
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Acende as perspectivas da fadiga.
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A quem peça para ver o interior da tua mão, mostra os planetas não descobertos no céu.
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Separa o giz do carvão, as papoulas do sangue.
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Dá-me o prazer de sair nas pontas dos pés.
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Deita-te, levanta-te e agora deita-te.
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Daquilo que tem a cabeça sobre os ombros, abstém-te.
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Regula a tua marcha pela das tempestades.
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Nunca mates uma ave da noite.
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Falha a finalidade aparente, quando tiveres de atravessar o teu coração com a flecha.
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Opera milagres para os negares.
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Imagina que esta mulher está contida em três palavras e que esta colina é um abismo.
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Observa a luz nos espelhos dos cegos.
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Nunca esperes por ti.
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Contempla bem estas duas casas: numa estás morto, na outra estás morto.
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Pensa em mim que te falo, põe-te no meu lugar para responderes.
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Torce o teu corpo com as tuas próprias mãos por cima dos outros corpos: aceita corajosamente este princípio de higiene.
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Come apenas aves em folhas: a árvore animal pode sofrer de outono.
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A tua liberdade com a qual me fazes chorar a rir é a tua liberdade.
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Faz fugir o nevoeiro diante de ti mesmo.
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Se te fitas com um olho, fecha o outro.
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Segues pela terceira rua à direita, depois pela primeira à esquerda, chegas a uma praça, voltas junto do café que conheces, segues a primeira rua à esquerda, depois a terceira rua à direita, lanças a tua estátua por terra e ficas.
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Bate à porta, e grita: Entre, e não entres.
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Nada tens para fazer antes de morrer.
André Breton e Paul Éluard, in A imaculada concepção